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"Cabaré Coragem": a essência da Belle Époque no teatro Brechtiano

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 01/12/2023 às 00:17:48

O cabaré do Grupo Galpão tinha que ser diferente. Falamos de um coletivo que tem muitos anos no mercado de entretenimento e é patrocinado pela Petrobras por ter um trabalho de excelência. Claro que, diante destas informações, surgiria um trabalho diferenciado.

Para quem está à procura do cabaré despudorado que a maioria desse estilo teatral oferece, não recomendo. Mas aos que têm sede de entendimento do cabaré europeu, onde tudo começou, o caminho é exatamente o Teatro Rival.

Falando em Rival, reconheço que o Galpão foi assertivo ao procurar o espaço, pois ele tem história para dar e vender quanto ao cabaré da Montmartre carioca: a Lapa.

Montmartre é um bairro boêmio da cidade de Paris, na França. É uma colina que, já no tempo dos gauleses, destinava-se a lugar de culto. Deve seu nome, provavelmente, aos inúmeros mártires cristãos que foram torturados e mortos no local por volta do ano 250. Consagrada a São Dionísio, tornou-se, na Idade Média, um lugar de peregrinação. Lá está Moulin Rouge, o cabaré construído em 1889.

O Rival tem um histórico de acolhimento às vedetes e travestis, essas que alimentam os cabarés como ninguém. O teatro me surpreendeu: está totalmente preparado para este espetáculo, que tem uma produção focada em trazer à plateia a sensação de vivenciar o cabaré. O teatro estava lindo, com uma iluminação aconchegante e prazerosa que somente um cabaré pode oferecer. Mas a luz também está bem proporcionada aos artistas no palco. Além da sofisticação que o ambiente traz, alimentando ainda mais a beleza do espetáculo.

Sabemos bem que o cabaré foi um espaço renegado durante muito tempo, por apresentar aquelas pessoas que viviam às margens da sociedade, praticamente marginalizadas. Atuavam com liberdade e isso nunca foi bem-visto para os que pregam padrões comportamentais. Há também muita sensualidade nas apresentações e essa é uma das suas maiores características.

Já o Grupo Galpão se rende ao cabaré político, aquele que foi perseguido durante a segunda guerra, trazendo o dramaturgo Bertold Brecht, provocando análises em textos que logo completarão cem anos e que são, infelizmente, tão necessários, como se o homem não tivesse aprendido nada com os erros do passado. Confesso que achei o texto com pouca acessibilidade aos que não entendem muito da história dos personagens brechtianos. Muita gente nunca ouviu falar em Brecht, o que julgo ser uma pena!

O teatro brechtiano busca, fundamentalmente, um contato maior com o público, a fim de levar a plateia ao pensamento crítico, por isso foi perseguido pelo nazismo.

No entanto, esse cabaré é a essência de uma época, a Belle Époque, um momento rico de trocas de pensamentos, onde a filosofia voava, transformava. O cancan, o cabaré e o cinema explodiram para todos. Detalhe: para todas as camadas sociais. Era nos cabarés onde os abastados se encontravam para discutir política, nessa época tão rica. Falo da história da cultura mundial.

Sempre que assisto algo voltado ao cabaré, vejo espetáculos que, já na porta, são deixados pelos artistas os pudores. Eles são possuídos por Madame Satã, transformista brasileiro, uma figura emblemática e um dos personagens mais representativos da vida noturna da Lapa carioca na primeira metade do século XX. Isso eu adoro, confesso.

Mas, dessa vez, fui surpreendida com uma obra mais recatada e com grande apelo ao dramaturgo perseguido por Hitler.

Mesmo diante do atravessamento político que acabamos de ter, penso que trazer temas importantes da história é educar a sociedade para que estejamos alertas e fortes diante da possibilidade do caos.

É a segunda vez que ouço música baiana em um palco em menos de dois meses cantada pelos artistas. A música “Xibom Bombom” traz na letra que “o rico cada vez fica mais rico, e o pobre cada vez fica mais pobre, e o motivo todo mundo já conhece: é o que de cima sobe e o debaixo desce”. Só que, dessa vez, a canção é recitada com uma explicação visceral desse esmagamento que o proletariado vivencia. É muito cruel.

Essa responsabilidade do Galpão é digna de um olhar respeitável e reconhecedor.

Os figurinos do Márcio Medina estão bem de acordo com a proposta do texto e do estilo. Muito brilho, transparência, comicidade e, lógico, a dose certa de extravagância. Muito belo, inclusive, nos personagens de Inês Peixoto, Teuda Bara e Luiz Rocha. Sem contar o visagismo, as cores, as maquiagens muito bem colocadas. Estão prazerosos de serem vistos, com um misto gostoso do certo e errado que causa admiração.

Falando em Teuda Bara, arrepiei ao ver essa atriz no palco. Quanto força que ela carrega em sua atuação, um marco em minha vida de crítica! Agradeço ao universo por essa oportunidade, confesso que fiquei totalmente arrepiada quando ela personifica a Mãe Coragem do dramaturgo, principalmente quando a cena ainda traz uma das canções mais clássicas do Brasil. Nem acreditei quando a ouvi e não vou contar qual é! Foi aplaudida de pé! Aliás, ela é a dona do cabaré. MARAVILHOSA e inesquecível.

Mãe Coragem, uma mascate que segue o Exército Sueco e está determinada em viver da guerra. Durante o curso da peça, ela perde todos os seus filhos, Queijinho, Eilif e Katrin, para a mesma guerra que a fez lucrar.

Inês Peixoto sempre será uma paixão. É uma atriz que tenho imensa amabilidade, sempre tão acessível para nós. Isso a transforma em um ser humano lindo e encantador! Ela fez uma personagem que realmente me fez sair do chão.

Aliás, Inês abre o cabaré, convidando a todos a uma memorável noite. Está muito bem trajada, portentosa, ficou muito bem na indumentária criada para ela. Ela vem como uma boneca, posso dizer que de um ventríloquo. Ela está uma graça e desbocada!

Ao lado do ator Eduardo Moreira, apresentam o conto “Se os Tubarões Fossem Homens”, um clássico infantil de Brecht. Tenho um exemplar e confesso que o dramaturgo foi tão inteligente em educar através dessa dramaturgia que me encantou o coração.

O ventríloquo e a performance da atriz arremessaram-me ao chão.

Inclusive, nesse exemplar, tem uma dedicatória da atriz Denise Fraga. Faço questão, com isso, de escrever sobre o dramaturgo.

“Ele diz sem dizer completamente. Algumas vezes diz até ao contrário do que está querendo dizer para atiçar a nossa inteligência. Quando percebemos, estamos desvendando um quebra-cabeça de ideias por meio de suas histórias".

"Se os Tubarões Fossem Homens" nos aponta algo que teimamos esquecer: o impulso de certas pessoas em explorar outras.

O profano do espetáculo é uma mulher que se encanta por joias e tem horror à cor vermelha, tipos que já conhecemos. Por que profano? Porque a vida deveria valer mais que dinheiro, não é verdade?

Não vou deixar de mencionar e parabenizar Antonio Edson de nos presentear com duas canções: uma latina e outra em alemão. Um ápice do espetáculo para aqueles que entendem da história e a importância de canções tão tocantes.

A iluminação do espetáculo é digna de palmas, como já dito, assim como o cenário, que traz caixas que se transformam em mini camarins com cortinas cheias de babados. Lindos e iluminados, uma graça.

Já a direção musical é encantadora e também aliada ao cabaré político de Brecht. O interessante é que todos os artistas tocam TODOS os instrumentos. Fiquei boba com tamanha façanha deles, de TODOS eles.

Percebi que houve uma pesquisa imensa da artista Cida Moreira, que cantou e encantou com canções Brechtianas. Posso estar equivocada, mas chegamos nela. Na verdade, a minha ética deve ser maior que meu ego. Ao conversar com meu amigo Marcelo Jorge, um artista do cabaré, ele falou sobre a artista e, com ele, percebi que havia uma forte conexão.

Vou deixar abaixo um vídeo para que possam, além de conhecê-la, entender um pouco do cabaré.

Vou parar por aqui. Longe de um cabaré cheio de lascívia, percebi responsabilidade com temas que não devemos deixar de trazer aos palcos. Nem de longe quero viver o que sofri com um facista que passou pelo meu país. Só de lembrar minhas lágrimas rolam, embaçando minha tela. Perdi muito, inclusive a pessoa mais importante da minha vida durante esse desgoverno maldito. Mas me ponho de pé defendendo a educação e o teatro, que sempre será o braço direito do conhecimento para o homem.

Indo para o Rival, no frenesi da Tijuca, onde jogadores do Flamengo seguiam em direção ao Maracanã, estava olhando meu Instagram e vi, durante o voo do Sidney Magal, a homenagem feita ao artista a bordo. Os passageiros cantam "Sandra Rosa Madalena" para ele e, claro, essa música é mais cabaré que o próprio cabaré! (risos).

https://www.instagram.com/p/C0PY5LNOUc4/?hl=pt-br&img_index=1

Posso ver a felicidade do Brasil novamente. Não que esteja tudo bem, como queria que estivesse. Mas somos assim, alegres e muito festivos. Na verdade, o cabaré tem mais a cara do Brasil do que da Europa!

Ah! Durante o cabaré, você pode consumir no bar do Rival. Eis aí o delicioso perigo…

Sinopse

Ao percorrer o universo do cabaré, de Brecht à contemporaneidade, o novo espetáculo do Grupo Galpão, apresenta uma trupe envelhecida e decadente que, apesar das intempéries e dos revezes, reafirma a arte como lugar de identidade e permanência. Ao mesclar um repertório de músicas interpretadas ao vivo com números de variedades e danças, fragmentos de textos da obra de Brecht e cenas de dramaturgia própria, o Cabaré Coragem convida o público a uma viagem sonora e visual. Fiel às suas origens de teatro popular e de rua, o Grupo Galpão busca, na nova montagem, a ocupação de espaços alternativos, ao romper, uma vez mais, com a relação entre palco e plateia, numa encenação que incorpora, radicalmente, a presença do público, sempre convidado a compartilhar da encenação.

Com direção de um de seus integrantes, o ator e diretor Júlio Maciel, o espetáculo conta com direção musical, trilha e arranjos de Luiz Rocha, dramaturgia de Vinicius de Souza, cenários e figurinos de Márcio Medina, iluminação de Rodrigo Marçal e, no elenco, os atores Antonio Edson, Eduardo Moreira, Inês Peixoto, Luiz Rocha, Lydia del Picchia, Simone Ordones e Teuda Bara.

Ficha Técnica

Elenco: Antonio Edson, Eduardo Moreira, Inês Peixoto, Luiz Rocha, Lydia Del Picchia, Simone Ordones e Teuda Bara.

Direção: Júlio Maciel

Direção musical, arranjos e trilha sonora: Luiz Rocha

Diretor Assistente: David Maurity

Cenografia e figurino: Márcio Medina

Dramaturgia: Coletiva

Supervisão de dramaturgia: Vinícius de Souza

Direção de cena e coreografia: Rafael Bacelar

Iluminação: Rodrigo Marçal

Adereços e pintura de arte: Marney Heitmann

Preparação corporal e do gesto: Fernanda Vianna

Preparação vocal: Babaya

Assistência de figurino: Paulo André e Gilma Oliveira

Assistência de cenografia: Vinícius de Andrade

Assessoria de iluminação: Marina Arthuzzi

Direção de Experimentos Cênicos: Ernani Maletta, Luiz Rocha e Cida Moreira

Colaboração artística: Paulo André e João Santos

Maquiagem e perucaria: Gabriela Dominguez

Assistente de maquiagem e perucaria: Ana Rosa Oliveira

Construção cenário: Artes Cênica Produções

Instalação de luminárias cênicas: Wellington Santos

Operação de luz: Rodrigo Marçal

Sonorização e operação de som: Fábio Santos

Assistente técnico: William Teles

Assistente de produção: Idylla Silmarovi

Produção Executiva: Beatriz Radicchi

Direção de Produção: Gilma Oliveira

Produção: Grupo Galpão

*Músicas Alabama Song, Moritat, Singapura e Tango dos Açougueiros Felizes - arranjos Ernani Maletta.

* Fragmento do texto Discurso sobre Nada de Marcio Abreu.

Serviço

"Cabaré Coragem"

30 de novembro a 3 de dezembro de 2023

quinta a sábado, 19h30 e domingo, 18h30

06 a 10 de dezembro de 2023

quarta a sábado, 19h30 e domingo, 18h30

Teatro Rival

(Rua Álvaro Alvim, 33 – Cinelândia – Rio de Janeiro – RJ)

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